A construção de Brasília
Em
19 de setembro de 1956 foi sancionada a Lei n
o 2.874, que criou
a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). Para presidi-la foi nomeado
Israel
Pinheiro, engenheiro formado na Escola de Minas de Ouro Preto, político
mineiro, filho do ex-presidente de Minas João Pinheiro e amigo de
JK.
Segundo Otto Lara Resende, Brasília foi produto de uma conjugação de quatro
loucuras: a de Juscelino, a de Israel Pinheiro, a de
Oscar
Niemeyer e a de
Lúcio
Costa. Israel Pinheiro foi figura fundamental na construção da nova
capital, mas não se deve esquecer o papel de
Bernardo
Saião e
Ernesto
Silva, também diretores da Novacap e destemidos tocadores de obras, como
gostava JK.
O edital do concurso para a
escolha do projeto urbanístico de Brasília foi marcado para março de 1957. O
arquiteto e urbanista
Affonso
Eduardo Reidy, por exemplo, discordou dos termos do edital e não participou
do concurso. Concorreram 26 projetos, dos quais 16 foram eliminados na seleção
prévia. Entre os que ficaram estavam o de Lúcio Costa, o de Nei Rocha e Silva,
e de Henrique Mindlin, o de Paulo Camargo, o de MMM Roberto e o da firma
Construtec.
O projeto aprovado, de autoria de
Lúcio Costa, dividiu a opinião dos arquitetos. Para uns, não passava de um
esboço, um rabisco, e sua inscrição não deveria ter sido sequer aceita. Para
outros, era simplesmente brilhante, genial. O representante do Instituto de
Arquitetos do Brasil, por exemplo, abandonou o júri por divergir do resultado,
já que a proposta de Lúcio Costa era apenas um rascunho. Os concorrentes
derrotados não se conformaram e criaram uma polêmica que repercutiu na imprensa
da época
Brasília
foi construída em três anos - pelo menos seus principais prédios foram
concluídos nesse prazo. Em 1958, o palácio da Alvorada tinha sua fachada
mostrada na revista
Manchete. JK sabia que, se a sede do governo não
estivesse pronta na data prevista para sua inauguração, o projeto seria
abandonado.
Instalado no Catetinho (referência
ao palácio do Catete, sede do governo federal no Rio de Janeiro), JK comandava
a realização do sonho dos urbanistas e arquitetos modernos, que, imbuídos da
idéia de planejamento, definiam os espaços para moradia, trabalho e lazer.
Pretendiam todos liquidar o passado e realizar um ideal de igualitarismo
promovido pelo Estado.
À
medida que a cidade ia sendo erguida, já se cuidava da construção de sua
memória. O governo publicou 11 livros – a Coleção Brasília – que constituem a
mais importante fonte documental para a história dos antecedentes da nova
capital. Publicou também a
RevistaBrasília, que circulou entre
janeiro de 1957 e abril de 1960, e acompanhou o dia-a-dia da construção.
Desde sua inauguração, em 21 de
abril de 1960, Brasília vem sendo estudada e monitorada por geógrafos,
urbanistas, arquitetos, sociólogos. Há estudos sobre a primeira geração de
moradores, sobre as falhas da cidade que não permitiram o convívio social dos
habitantes, sobre as traições ao plano original. Brasília já foi chamada de
"cidade sem gente", "cidade sem esquina", "cidade de
burocratas", "ilha da fantasia"...
Lúcio Costa declarava à revista
Manchete em
1974: "Digam o que quiserem, Brasília é um milagre. Quando lá fui pela
primeira vez, aquilo tudo
era
deserto a perder de vista. Havia apenas uma trilha vermelha e reta descendo do
alto do cruzeiro até o Alvorada, que começava a aflorar das fundações, perdido
na distância. Apenas o cerrado, o céu imenso, e uma idéia saída da minha cabeça
O céu continua, mas a idéia brotou do chão como por encanto e a cidade agora se
espraia e adensa."
Em 1988, dizia o urbanista a O
Estado de S. Paulo: "O que ocorre em Brasília e fere nossa
sensibilidade é essa coisa sem remédio, porque é o próprio Brasil. É a
coexistência, lado a lado, da arquitetura e da antiarquitetura, que se alastra;
da inteligência e da antiinteligência, que não pára; é o apuro parede-meia com
a vulgaridade, o desenvolvimento atolado no subdesenvolvimento; são as
facilidades e o relativo bem-estar de uma parte, e as dificuldades e o crônico
mal estar da parte maior. Se em Brasília esse contraste avulta é porque o
primeiro élan visou além – algo maior. Brasília é, portanto,
uma síntese do Brasil, com seus aspectos positivos e negativos, mas é também
testemunho de nossa força viva latente. Do ponto de vista do tesoureiro, do
ministro da Fazenda, a construção da cidade pode ter sido mesmo insensatez, mas
do ponto de vista do estadista, foi um gesto de lúcida coragem e confiança no
Brasil definitivo."
Lúcia Lippi Oliveira